ASSEMBLEIA DE DEUS

Línguas como evidência, glossolalia e xenolalia

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Neste artigo, discorro sobre o dom de línguas “estranhas” (adjetivo que não aparece no texto grego do Novo Testamento), que podem ser glossolálicas (estranhas a quem as profere e as ouve) ou xenolálicas (em idiomas conhecidos, mas estranhos a quem os profere). Essa distinção, a rigor, é apenas didática, já que a palavra “glossolalia”, derivada de dois termos gregos (glossa, “língua”; lalia, “fala”), abarca a xenolalia (cujo prefixo gr. xenos denota “estrangeiro”), a qual se refere, especificamente, às línguas (gr. dialektos) mencionadas em Atos 2.6.

De modo geral, a xenolalia está contida na glossolalia, que diz respeito ao “dom de falar em outras línguas, concedido pelo Espírito Santo” (HORTON, p. 791). Há uma afinidade linguística entre Atos 2.4 (gr. heterais glossais, “outras línguas”) e a citação de Isaías 28.11 feita por Paulo (cf. 1 Co 14.22-25), a qual “contém a forma composta heteroglossois, que também significa ‘outras línguas’. A posição mais plausível é de que a glossolalia possa ser compreendida como falar em línguas, mas que as línguas podem ser tanto humanas quanto angelicais/celestiais” (PALMA, p. 68).

Glossolalia, por conseguinte, é um termo técnico para designar todas as finalidades do dom de línguas, a começar pela evidência inicial de que o salvo em Cristo foi batizado no Espírito (At 2.1-4 etc.). Elas também edificam o crente e a congregação revestidos de poder, bem como podem conter mensagens, compreendidas mediante o dom de interpretação (cf. 1 Co 14; Rm 8.26; GILBERTO, p. 62).
No dia de Pentecostes, após a ascensão do Senhor, quase 120 dos seus discípulos falaram, de modo sobrenatural, em línguas “como que de fogo, as quais pousaram sobre cada um deles” (At 2.3). Estas lhes foram dadas, primeiramente, como uma evidência do batismo no Espírito Santo, mas, também, como um dom espiritual, manifesto no próprio dia do derramamento inaugural do poder do alto e posteriormente (At 2.1-13; 8.14-17; 9.17,18; 10.44-46; 19.1-6; cf. 1 Co 12-14).

De acordo com Atos 2.3-8, enquanto os discípulos falavam em línguas (gr. glossa), “correndo aquela voz, ajuntou-se uma multidão e estava confusa”, pois judeus de Jerusalém e da diáspora ouviam mensagens na sua própria língua (gr. dialektos). Pedro, então, explicou à multidão maravilhada e, em parte, zombeteira que os servos de Deus não estavam embriagados às nove da manhã (terceira hora do dia), mas falavam da parte do Espírito em cumprimento da profecia de Joel (vv. 12-21).

A narrativa do historiador e teólogo Lucas revela que as muitas vozes dos discípulos, falando todos ao mesmo tempo, formaram um vozerio incompreensível, à distância, porém inteligível a quem estava próximo deles (cf. At 2.6-8). Milagrosamente, quem se aproximava conseguia ouvir no seu próprio idioma, por meio da ação do Espírito Santo, o que cada servo de Deus falava!

Com mais de uma centena de pessoas falando em línguas ao mesmo tempo, como seria possível indivíduos receberem mensagens, em seus próprios idiomas, de cada crente? “Uma defesa do milagre só como questão da audição da multidão é difícil de ser feita, sobretudo considerando-se que Atos 2 enfatiza as expressões vocais inspiradas pelo Espírito […]. Além disso, a narrativa das línguas em Atos 10.45,46 não enfatiza o ouvir, mas o falar em línguas” (ARRINGTON, p. 633). Assim, parece ter havido um duplo milagre: na fala dos crentes e na audição dos incrédulos.

O Espírito pode ter condicionado aquela vozearia, fazendo com que ela chegasse inteligível ao ouvido de cada pessoa. Entretanto, depreende-se do texto lucano que os crentes falavam nos dialetos das pessoas do auditório, e o Paráclito fazia com que cada mensagem chegasse aos ouvintes. Mas, qual era o conteúdo dessa xenolalia glossolálica? É claro que os discípulos “não pregavam nas línguas divinamente inspiradas. A pregação foi realizada por Pedro muito brevemente no idioma comumente compreendido, o aramaico. A verbalização deles foi feita para louvar e adorar” (PALMA, p. 69).

Paulo ensina que as línguas são um sinal para os infiéis, contrastando com a profecia, um sinal para os fiéis, haja vista estes saberem que, por meio de desse dom, Deus fala sobrenaturalmente com seus filhos (1 Co 14.22-25). As línguas como sinal levam os pecadores a perguntar: “Que quer isto dizer?”, deixando-os prontos para ouvir a exposição da Palavra, tal como ocorreu no dia de Pentecostes. Por outro lado, se os crentes falarem o tempo todo em línguas, os incrédulos logo acharão que se trata de loucura (cf. At 2.7-13).

Tendo em mente a descrição de Lucas, é importante considerar a seguinte prescrição da Palavra de Deus por meio de Paulo: “quem fala em outra língua não fala a homens, senão a Deus, visto que ninguém o entende, e em espírito fala mistérios. […] O que fala em outra língua a si mesmo se edifica” (1 Co 14.2-4, ARA). Temos aqui uma dificuldade, se não observarmos o contexto. Afinal, embora a glossolalia seja um dom congregacional para edificação (12.10,30), há casos em que o crente pode se dirigir ao auditório em línguas não xenolálicas, o que, a rigor, difere do ocorrido no dia de Pentecostes (14.27,28).

Por causa dessa aparente contradição, muitos teólogos cessacionistas (para os quais os dons cessaram no primeiro século d.C.) rejeitam a glossolalia. Mas o apóstolo Paulo, considerando que ela é o único dos dons espirituais que edifica seu portador, aconselha: “não proibais falar línguas” (1 Co 14.39). Como saber, então, se estamos falando da parte do Espírito para edificação ou transmitindo uma mensagem? Segundo a própria explicação paulina, conhecemos a natureza das línguas proferidas no culto mediante o dom de interpretação (vv. 5,13,27,28).

John MacArthur, um crítico ferrenho do pentecostalismo, não se limita a dizer que o dom de línguas cessou depois da era apostólica. Segundo ele, Paulo nunca permitiu ou atribuiu ao Espírito a ideia “de que todos os membros da congregação deviam explodir ao mesmo tempo em uma cacofonia desordenada, como ocorre com frequência nas igrejas carismáticas contemporâneas […]. De fato, uma das acusações mais fortes contra o movimento carismático moderno é a forma desordenada, egoísta e caótica em que se pratica a falsa glossolalia” (MACARTHUR, p. 152).

Embora concordemos que haja muitos abusos promovidos por movimentos pseudopentecostais, esse irmão cessacionista ignora o fato de que a promessa alusiva ao revestimento de poder diz respeito “a tantos quantos Deus, nosso Senhor, chamar” (At 2.39). MacArthur parece desprezar o padrão consistente revelado por Lucas, que narra uma experiência distintiva do batismo no Espírito subsequente à regeneração, evidenciada pela glossolalia (cf. 8.14-17; 10.46; 19.6).

Aliás, os relatos lucanos “não somente revelam esse padrão, mas também ensinam que falar em outras línguas é normativo para a doutrina e prática cristãs” (WYCROFF, p. 449). Não há problema em os membros da congregação falarem em línguas ao mesmo tempo, num momento de glorificação a Deus coletiva, já que todos são edificados, e a igreja, fortalecida na fé dando glória a Deus. Ao desprezar a glossolalia, chamando-a de “cacofonia desordenada”, MacArthur ignora que ela “é um meio de autoedificação espiritual. Junto com o dom de interpretação de línguas, edifica a congregação” (PALMA, p. 91).

Por outro lado, se alguém começar a falar em línguas, isoladamente, enquanto os outros ouvem, só deve insistir nisso caso haja intérprete (1 Co 14.5). Persistir em falar em línguas, isolada e audivelmente, sem que o Espírito Santo dê a interpretação, não tem nenhum proveito (v. 28). É como a trombeta que dá som incerto (vv. 6-18). Daí Paulo preferir “falar na igreja cinco palavras” em sua própria inteligência a proferir “dez mil palavras em língua desconhecida” (v. 19).

No culto genuinamente pentecostal deve haver espaço para louvor (salmo), exposição da Palavra (doutrina) e ministrações do Espírito (1 Co 14.26), tudo “para a edificação da igreja” (v. 12). Por isso, não devem falar em línguas “mais do que dois ou quando muito três, e isto sucessivamente, e haja quem interprete” (v. 27, ARA). Ou seja, mesmo contendo mensagens, a glossolalia não deve ocupar todo o tempo do culto. Nosso Deus, que é um Deus de ordem, fala prioritariamente por meio da sua Palavra (vv. 28-40).

Ciro Sanches Zibordi

Referências
ARRINGTON, French L. et alComentário Bíblico Pentecostal: Novo Testamento. 1. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2003.
GILBERTO, Antonio. Verdades Pentecostais. 1. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2006.
HORTON, Stanley M. et alTeologia Sistemática: uma perspectiva pentecostal. 1. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 1996.
MACARTHUR, John. Fuego Extraño: el peligro de ofender al Espíritu Santo con adoración falsa. 1. ed. Nashville, Tennessee: Thomas Nelson, 2014.
PALMA, Anthony D. O Batismo no Espírito Santo e com Fogo. 1. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2002.
WYCROFF, John W. O Batismo no Espírito Santo. In: HORTON, Stanley M. et alTeologia Sistemática: uma perspectiva pentecostal. 1. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 1996.

Fonte: http://www.cpadnews.com.br/blog/cirozibordi/apolog%C3%83%C2%A9tica-crist%C3%83%C2%A3/233/linguas-como-evidencia-glossolalia-e-xenolalia.html

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